Assista ao (falso) curta de Godard que está agitando o Festival de Cannes

Festival de Cannes curta de Jean-Luc Godard

Um curta-metragem inédito atribuído ao mestre do cinema francês Jean-Luc Godard está agitando o Festival de Cannes 2018, mas tudo pode não passar de uma grande farsa. O filme “Vents d’Ouest” apareceu no Youtube esta semana, com duração de 4 minutos e 50 segundos e seria, segundo a revista online Lundi.am, da autoria de Godard, em apoio ao ZAD – um grupo de ambientalistas que tenta evitar a construção de um aeroporto na cidade de Notre-Dame-des-Landes.

No final do mês passado, de fato, o ZAD havia publicado na internet uma carta aberta pedindo a Godard que levasse seu protesto ao Festival de Cannes 2018. “Vamos lá, Jean-Luc, como se fosse uma última batalha, como se fosse o filme mais bonito, como um poema que você sabe fazer, com a sua linguagem, mas que faria eco a todos nós: bote pra foder”, dizia a carta.

A suposta autoria de Godard fez o vídeo alcançar alguns milhares de visualizações, mas não há nada oficial que ligue o cineasta ao filme, embora ele seja um apoiador do ZAD. Mais do que isso: o assessor de imprensa do cineasta negou ao Le Monde que o curta tenha qualquer relação com Godard, que participa do festival de Cannes 2019 com o longa-metragem Livre d’Image – este sim autêntico.

“O filme é obra de um usurpador”, garantiu Matilde Incerti, assessora da Godard.

O filme traz cenas da evacuação violenta de um protesto do ZAD no mês de abril. Essa questão da construção de um aeroporto em Notre-Dame-des-Landes se tornou um dos maiores símbolos do movimento ambientalista na França, em uma polêmica que já dura 10 anos. E não seria absurdo imaginar que Godard faria um filme de apoio ao movimento e de protesto em Cannes. Ele tem histórico nessa área: em 2014, produziu um curta chamado “Carta de Jean-Luc Godard a Gilles Jacob e Thierry Frémaux”, em que dizia aos organizadores por que não participaria do Festival de Cannes daquele ano.

Confira o filme e, em seguida, a tradução de seu texto:

No passado, havia apenas cineastas. Não estamos falando de técnicos. Méliès, Thalberg, Grémillon. As mãos dos montadores soviéticos, como as dos operários da Rhodia, eram a exceção onde quer que a regra fosse estabelecida.

Vinci, Darty.

Hoje, o reinado é dos técnicos. Técnicos de grande escala, técnicos de TV móvel, técnicos do audiovisual, da polícia.

O cinema se encaixou em cada arcano do capitalismo. A técnica substituiu o gesto. E o humano abandonou o olho daquele que olha.

Aqueles que acreditam na técnica dizem que ela é objetiva, lá onde ela é apenas objetivo.

Objetivo de segurança, vigilância, medo, morte.

E a morte, para não ficar muito assustada, substituiu seu próprio silêncio não apenas por um um som além do túmulo, mas de além da vida.

O som latente da agonia, do capitalismo, da catástrofe permanente.

A indústria e suas máquinas sempre geraram sua própria música. Imagens e sons emitidos pela vida, e como subtilizados, retransmitidos pela agonia e destinados à morte, às estruturas da morte.

E nessas estruturas de concreto, sempre floresce nos interstícios, onde a umidade ainda existe, essa erva que consideramos invasiva quando na verdade nos protege da erosão, e é o Gourbi, o Far West, os 100 nomes.

Inverter a trajetória, voltar da morte à vida, remover a agonia.

Remover a agonia.

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Connard, flâneur, ringard.

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